Então, olhando para o meu corpo nessa
inutilidade, resolvi escrever mais uma carta: Carta sem destinatário certo, mas
preciso. Uma carta que reflita sobre o amor, freudiano ou não, cara amiga. Freud
pode explicar o vil, mas não me comove. Não me comove suas sublimações, de
corpos que se atiram em outros corpos; a fim de enriquecerem seus meios, para
fins que não se justificam mais. O amor, como qualquer outro sentimento, não se
compensa. Então, na minha inércia, olhando para o tempo que corre, vi sim o
amor de forma diferente; mesmo assim ainda indefinido. O conceito do amor, nos
séculos, ainda requer um manancial de práticas, entre as mais densas florestas,
os mais exóticos animais.
O amor é uma estranhíssima sensação de
perda, mesmo quando supõe ganho e recompensa.
Decerto a preguiça, nesses meus dias de
infame rejeição ao mundo, tenha me ajudado a acolher melhor o amor, dando-lhe a
intensa e verdadeira anistia da hipócrita manifestação de bem-estar. O amor,
esse que nos conhecemos vulgarmente como paixão, é o maior retrato de todos os
pecados humanos; mas não pode ser classificado como satisfação. O amor que
chamamos de paixão, é resultado de emancipações químicas, de olhares curiosos;
dores enigmáticas e sabores conflitantes. É alquimia do cigarro na mesa, da
comida salgada e saborosa; das conversas sobre os quadros calóricos e intensos
de qualquer pornografia vulgar. O amor, que chamamos de paixão, é a redenção da
masmorra do corpo, quente e queimando nos dias cotidianos e indigestos.
Mas, dentro da mesmice do balançar da rede,
onde me encontro agora; vejo outro amor. Esse amor insaciável na multiplicação
de sua divisão. Um amor que não requer contas das horas, nem interferência dos
meses; sequer rompimento físico. Esse amor sublime, ágape; divino e bíblico;
que por agora nos sacia na ausência; subjuga o básico; determina o infinito. Amor
que dá a vitória, nas mínimas coisas, olhar para as nuvens que se formam. Será possível
amar alguém com parâmetros tão extravagantes? Amar alguém como se ouve a
cachoeira, como quem se infiltra na noite velada em pensamentos utópicos, de
voo para o céu estrelado? Amar alguém como o mundo, em sua esfera
interplanetária, nos ama?
Amores compreendam, eu nasci para outro amor.
A carta, que começa ter contornos
filosóficos, jamais explicaria o amor para quem quer apenas as entrelinhas dos
relacionamentos humanos. O amor aqui, sem requinte de gramática, muito menos encorpado
pela boa redação; é mais devaneio que palavra; mais poema que prosa. Portanto,
não retornem uma linha sequer para traduzir qualquer sentimento, pois as letras
foram ditas ao sabor das ondas; da direção dos ventos; um sono profundo de
final da tarde. A carta, como disse, sem destinatário, parece querer mais ainda
ser sem remetente, sem determinismo; sem qualquer descrição autoritária; mas
assim, desse modo impensado, ser apenas sentida.
Mostrar que o amor pode estar em diversas
formas que nunca compreendemos.