Preciso de um afago. Sei lá que nome que se
pode dar para qualquer carinho. Eu preciso, sei disso. Preciso que me ligue de
madrugada, mesmo que por engano. Preciso que me diga alguma coisa que estou
querendo ouvir. Preciso de algumas verdades, bem lá no fundo da alma; alguma
crítica. Preciso de tudo, menos da indiferença. Precisar assim parece tão
piegas, não? Nós, homens, não nascemos para dizer tudo que estamos sentido.
Ficamos fracos, indecisos e falidos. Voltarei para o sono, mais alegre com seu
pedido de desculpa. Foi um engano, queria ligar para outra pessoa, não é? Mas
já que me acordou: como você está? Voltarei aos sonhos, aqueles que não me
acordam de maneira assustado. Quero, por momento, suas palavras; tua verdade.
Queria tantas coisas, que não sei muito bem relacionar. Amor platônico, que
contém um pouco de ódio; que ninguém explica direito. Meu amor funciona mais
quando sinto saudade.
Vai deixar um recado?
E você desapareceu. Desapareceu por meses.
Pensei que, punindo-me, era eu o culpado. Sou eu, pretensiosamente, inocente.
Não existe culpa, não é mesmo? Não te vejo mais por ai, nem tivemos mais
conversas tão francas. Bom, conversamos outro dia, mas não dissemos nada além
do normal e cotidiano. Somos tão amigos como pensávamos? De ontem para hoje
fiquei na dúvida. Eu não acredito em dúvidas, pois elas não são meias certezas.
Amigos ou não? Ora. O tempo tem tanto poder, mas não nos serve mais. Não somos
amigos, já faz tanto tempo que não nos vemos. Sabe o afago? Ele continua
intacto, tão distante de nós. Vai deixar um recado? Eu sei que você discou o
número errado, que é de madrugada; que com mil desculpas disse que não queria
ter me acordado. No fundo da história, lá no final do capítulo; eu sei que você
queria ligar para mim, mas já não há mais jeito. Eu queria um recado, um convite;
mas a madrugada é tão dura com nossos desejos. Você deve estar pensando o mesmo
que eu: não vale a pena.
Pois é, não notamos que ficamos tão
ausentes. A nossa música nunca mais tocou – os poetas sempre me ajudam nessas
horas tristes. Não percebemos a mudança da cor do cabelo, nem o regime que deu
certo. Não trocamos idéias e palavras novas, que aprendemos com aquele livro
que estávamos lendo juntos. (Eu sempre quis escrever bons livros; mas,
medianos, ficaram encostados na estante de sua prateleira virtual). Vivemos tanta
coisa separados que não há realmente qualquer novidade que, de uma hora para
outra, nunca mais trocássemos meia dúzia de palavras. É tarde demais, eu sei. Mas
a madrugada é dia de insônia, hora de pesadelos; rodar na cama sem destino. Ainda
quer fazer parte da minha vida? Eu só preciso hoje de um afago, de um carinho;
para tudo isso que as mulheres dão nomes interessantes e os homens acham tão
bregas.
A vida tão certa é tão ridícula, mas
essencial.
Estou precisando ser pedinte, pedante. Vai
deixar um recado? Não importa a data, nem as novidades. Ligue, escreva e
sorria. A novela está chata e a comida sem sal. Tem alguma música que não sai
da sua cabeça? (Nessa hora o personagem sai da cena, fica apenas a mesa e o
narrador. Luz que caminha junto ao som do rádio que toca uma música da Elis
Regina. Não seu qual delas, mas é triste. E num lance qualquer estou dormindo,
sem que ninguém perceba). Estou com aquela saudade que passa rápido, que dá uma
sensação de cansaço na hora do sono, como coisa que não aconteceu, mas é sonho
que poderia ter sido. Estou precisando mesmo que lembre de mim, pelo menos as
coisas boas.
Vai deixar recado?
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