quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Um cigarro, por favor

 

Daí você acorda três horas da manhã. Lá fora um silêncio modesto. Sinto sede. Queria um cigarro. Levando da cama e vou até a janela. Olho para a cama vazia: você não está. Quanto tempo faz? Não sei. Não consigo determinar certas mudanças na minha vida.  A solidão como tema principal das minhas queixas é coisa recente entre os amigos, mas não sei quanto tempo faz. Nunca toco no seu nome, mas todos sabem minha verdadeira aflição. Queria um cigarro nessa solidão. Volto para a cama, procuro um livro na cabeceira: tem uma bíblia pequena que eu ganhei de um amigo protestante. Será que a história está resumida? Tem outro livro, que eu parei na metade. Uma revista sobre celebridades. A revista é herança sua.

O livro?

Vou até a cozinha. Não estou com fome, mas também não estava com sono. Poderia trocar a pizza gelada por uma noite bem dormida? Sinto sua falta, Juliana, mas não quero dizer isso para ninguém. Escreveria um livro sobre minha mal escrita relação com você? Talvez mereçamos essa consideração. Um pedaço de pizza, um copo de água gelada. Quanto tempo eu não durmo direito? Vou até a sala, procuro algum filme interessante na estante: “Terceiro Tiro”, “Paciente Inglês” e “Zabriskie Point”. Confesso que não tive coragem de ficar com você, enquanto você assistia aos filmes. Dormi antes dos dez minutos. Sabe? Naquela época eu trabalhava muito, descansava pouco. Dormir em seus braços era uma coisa que me deixava vivo.

Somos antagônicos, muito diferentes. Mas ambos, hoje, tão igualmente solitários. Queria te ligar, mas você não vai me atender. Quer saber? Concordo que realmente o remédio é o tempo. Não que eu tenha qualquer esperança que voltaremos a formar um casal feliz. Esse negócio de tempo é uma grande bobagem, na maioria das vezes. Entendo; muitas vezes esse afastamento serve para colocar a cabeça no lugar, mas é terrível quando desalinha também o coração.  No sofá da sala, sem sono e sem fome; nada na televisão: nesse momento penso em você, mas penso diferente. Você não é mais aquela pessoa que eu amava,  e qualquer coisa que fizéssemos agora; seria um recomeçar do zero, um renascimento, que poderia vingar ou não. Seria como se fosse ter que apreender amar você novamente.

Quer saber? Acho que você está acordada pensando a mesma coisa que eu. Levanto do sofá, corajosamente. Você na cama ainda acordada. Você me viu cheio de febre, fome e abstinência? Odeio saber que você está ai, como se não estivesse. Vamos nos ajeitar? Senão vou embora para sempre. Eu seguro o seu ombro, olhamos um para o outro. Odeio quando você chora, odeio quando eu não consigo chorar. O que fizemos de nossas vidas? Onde estão nossos sonhos?  Nossos sonhos são tão distantes? Queria alguém para me acompanhar, quer alguém para assistir um misero filme. Vamos dormir? Eu te abraço, mas não consigo dormir.

De manhã: a vida como nunca. Tudo muito igual. Saímos juntos para o trabalho. Fico no meio do caminho, você segue adiante. Vamos almoçar juntos hoje? Eu não posso, tenho uma reunião; você não pode, tem uma desculpa tão real quanto a minha. Nós nos evitamos. Mas isso é fácil, de dia; quando nossa cabeça está cheia de problemas, resoluções e números. É fácil quando estamos com outras pessoas, pensando em outras coisas. Mas quando estamos juntos? Quando no quarto, você decide apagar a luz do abajur e não diz uma única palavra?

Ia perguntar se você tinha um cigarro, mas estamos longe novamente.




quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Amores compreendam



Então, olhando para o meu corpo nessa inutilidade, resolvi escrever mais uma carta: Carta sem destinatário certo, mas preciso. Uma carta que reflita sobre o amor, freudiano ou não, cara amiga. Freud pode explicar o vil, mas não me comove. Não me comove suas sublimações, de corpos que se atiram em outros corpos; a fim de enriquecerem seus meios, para fins que não se justificam mais. O amor, como qualquer outro sentimento, não se compensa. Então, na minha inércia, olhando para o tempo que corre, vi sim o amor de forma diferente; mesmo assim ainda indefinido. O conceito do amor, nos séculos, ainda requer um manancial de práticas, entre as mais densas florestas, os mais exóticos animais.

O amor é uma estranhíssima sensação de perda, mesmo quando supõe ganho e recompensa.

Decerto a preguiça, nesses meus dias de infame rejeição ao mundo, tenha me ajudado a acolher melhor o amor, dando-lhe a intensa e verdadeira anistia da hipócrita manifestação de bem-estar. O amor, esse que nos conhecemos vulgarmente como paixão, é o maior retrato de todos os pecados humanos; mas não pode ser classificado como satisfação. O amor que chamamos de paixão, é resultado de emancipações químicas, de olhares curiosos; dores enigmáticas e sabores conflitantes. É alquimia do cigarro na mesa, da comida salgada e saborosa; das conversas sobre os quadros calóricos e intensos de qualquer pornografia vulgar. O amor, que chamamos de paixão, é a redenção da masmorra do corpo, quente e queimando nos dias cotidianos e indigestos.

Mas, dentro da mesmice do balançar da rede, onde me encontro agora; vejo outro amor. Esse amor insaciável na multiplicação de sua divisão. Um amor que não requer contas das horas, nem interferência dos meses; sequer rompimento físico. Esse amor sublime, ágape; divino e bíblico; que por agora nos sacia na ausência; subjuga o básico; determina o infinito. Amor que dá a vitória, nas mínimas coisas, olhar para as nuvens que se formam. Será possível amar alguém com parâmetros tão extravagantes? Amar alguém como se ouve a cachoeira, como quem se infiltra na noite velada em pensamentos utópicos, de voo para o céu estrelado? Amar alguém como o mundo, em sua esfera interplanetária, nos ama?

Amores compreendam, eu nasci  para outro amor.

A carta, que começa ter contornos filosóficos, jamais explicaria o amor para quem quer apenas as entrelinhas dos relacionamentos humanos. O amor aqui, sem requinte de gramática, muito menos encorpado pela boa redação; é mais devaneio que palavra; mais poema que prosa. Portanto, não retornem uma linha sequer para traduzir qualquer sentimento, pois as letras foram ditas ao sabor das ondas; da direção dos ventos; um sono profundo de final da tarde. A carta, como disse, sem destinatário, parece querer mais ainda ser sem remetente, sem determinismo; sem qualquer descrição autoritária; mas assim, desse modo impensado, ser apenas sentida.

Mostrar que o amor pode estar em diversas formas que nunca compreendemos.