quinta-feira, 27 de março de 2014

Um pequeno afago e uma ligação de madrugada


Preciso de um afago. Sei lá que nome que se pode dar para qualquer carinho. Eu preciso, sei disso. Preciso que me ligue de madrugada, mesmo que por engano. Preciso que me diga alguma coisa que estou querendo ouvir. Preciso de algumas verdades, bem lá no fundo da alma; alguma crítica. Preciso de tudo, menos da indiferença. Precisar assim parece tão piegas, não? Nós, homens, não nascemos para dizer tudo que estamos sentido. Ficamos fracos, indecisos e falidos. Voltarei para o sono, mais alegre com seu pedido de desculpa. Foi um engano, queria ligar para outra pessoa, não é? Mas já que me acordou: como você está? Voltarei aos sonhos, aqueles que não me acordam de maneira assustado. Quero, por momento, suas palavras; tua verdade. Queria tantas coisas, que não sei muito bem relacionar. Amor platônico, que contém um pouco de ódio; que ninguém explica direito. Meu amor funciona mais quando sinto saudade.

Vai deixar um recado?

E você desapareceu. Desapareceu por meses. Pensei que, punindo-me, era eu o culpado. Sou eu, pretensiosamente, inocente. Não existe culpa, não é mesmo? Não te vejo mais por ai, nem tivemos mais conversas tão francas. Bom, conversamos outro dia, mas não dissemos nada além do normal e cotidiano. Somos tão amigos como pensávamos? De ontem para hoje fiquei na dúvida. Eu não acredito em dúvidas, pois elas não são meias certezas. Amigos ou não? Ora. O tempo tem tanto poder, mas não nos serve mais. Não somos amigos, já faz tanto tempo que não nos vemos. Sabe o afago? Ele continua intacto, tão distante de nós. Vai deixar um recado? Eu sei que você discou o número errado, que é de madrugada; que com mil desculpas disse que não queria ter me acordado. No fundo da história, lá no final do capítulo; eu sei que você queria ligar para mim, mas já não há mais jeito. Eu queria um recado, um convite; mas a madrugada é tão dura com nossos desejos. Você deve estar pensando o mesmo que eu: não vale a pena.

Pois é, não notamos que ficamos tão ausentes. A nossa música nunca mais tocou – os poetas sempre me ajudam nessas horas tristes. Não percebemos a mudança da cor do cabelo, nem o regime que deu certo. Não trocamos idéias e palavras novas, que aprendemos com aquele livro que estávamos lendo juntos. (Eu sempre quis escrever bons livros; mas, medianos, ficaram encostados na estante de sua prateleira virtual). Vivemos tanta coisa separados que não há realmente qualquer novidade que, de uma hora para outra, nunca mais trocássemos meia dúzia de palavras. É tarde demais, eu sei. Mas a madrugada é dia de insônia, hora de pesadelos; rodar na cama sem destino. Ainda quer fazer parte da minha vida? Eu só preciso hoje de um afago, de um carinho; para tudo isso que as mulheres dão nomes interessantes e os homens acham tão bregas.

A vida tão certa é tão ridícula, mas essencial.

Estou precisando ser pedinte, pedante. Vai deixar um recado? Não importa a data, nem as novidades. Ligue, escreva e sorria. A novela está chata e a comida sem sal. Tem alguma música que não sai da sua cabeça? (Nessa hora o personagem sai da cena, fica apenas a mesa e o narrador. Luz que caminha junto ao som do rádio que toca uma música da Elis Regina. Não seu qual delas, mas é triste. E num lance qualquer estou dormindo, sem que ninguém perceba). Estou com aquela saudade que passa rápido, que dá uma sensação de cansaço na hora do sono, como coisa que não aconteceu, mas é sonho que poderia ter sido. Estou precisando mesmo que lembre de mim, pelo menos as coisas boas.

Vai deixar recado?