Hoje eu quero o silêncio. Um pouco, que seja. Sem barulho
das pessoas, sem resmungo dos carros. Quero olhar um filme na televisão, sem
som. Quero apenas imagens passando de um lado para outro. Mas quero imagens que
não possam interagir comigo. Imagens estanques e frias. Imagens distantes e
bonitas. Queria uma voz, mas minha voz é nula e vazia. Falo sozinho, às vezes.
Mesmo que me olhem, respondam e argumentem; sei que estou sozinho. Não é
brincadeira essa coisa da solidão, ela pode nos pegar em cheio mesmo quando
estamos rodeados de pessoas. Pessoas amigas, conhecidas ou não.
Quero deitar no sofá e esperar o tempo passar. Mas sem
perceber o tempo. Sem relógio funcionando. Os ponteiros parados. Em muitas ocasiões
ele é meu inimigo, assim como calendário. Eles me dizem que as coisas continuam
funcionando; que o mundo não parou; nem vai parar. Que não importa minha
decisão agora, de continuar olhando para o nada (sem som), amanhã ou depois de
amanhã tenho que voltar ao trabalho, encontrar as pessoas e conversar sobre o
dia-a-dia. Mas não há nada de novo nelas, nem em mim; continuam insinuando a
vida; especulando a felicidade; esperando pelo fim do mundo.
O fim do mundo virou tema freqüente em minhas memórias, só
me lembro dele no futuro. Qual o futuro? Sabemos o presente, tão discreto.
Agora mesmo: o silêncio, a televisão e a ausência. A falta de tudo; falta de
coisas para imaginar; falta de sonho. Sofro com a falta de sonho, com o futuro
incerto. E a bebida fica quente mais
rápido, o gosto amargo na boca mais comum; a dor de cabeça quase diária. Quero
o silêncio dos meus dias, um silêncio onde não possa ouvir mais a minha voz
dizendo coisas que eu devo ou não fazer. Quero a imagem da improbabilidade,
pelo menos nos próximos minutos,
enquanto o relógio e o calendário não mandarem na minha vida.
Entendo agora a bomba, o flit paralisante qualquer. Mas eu
queria sair desse prático efeito, das minhas próprias frases feitas e das
minhas noites imperfeitas. Sim, algum poeta disse isso com propriedade, e o
poeta está vivo. E que poeta eu sou? Sou afinal um poeta? Poetas são monstros
da carnificina humana, tediosos pelo cotidiano; liderados pelo desamor e pela
derrota do ego. Mas poetas são construtores também, um legado da imagem
linda, harmoniosa e deslumbrante do ser humano. O poeta enxerga amor na
completa solidão, às vezes. E na escuridão, quando requer ser mais contundente,
a luz da compaixão.
Mas hoje não quero ser poeta, que não sou. Nem quero ser
qualquer coisa. Lembrando essa nossa conversa: hoje eu quero silêncio. E mais
além agora nessa minha estadia no nada, quero também as imagens desligadas.
Elas podem passar de um lado para o outro, podem fazer barulho; mas eu estarei
do mesmo jeito, inacessível. O externo do mundo não me fará falta, mesmo que
abunde. Nem o interno será presente; mesmo que sobre. Quero o nada revivendo
todo o instante desses poucos segundos; entre o caminho do passado e o mapa do
futuro. Quero agora mesmo restaurar as coisas, as devidas coisas em seus
lugares.
E só assim, com esse renascimento, estarei pronto para a
vida novamente. Só assim rasgarei o contrato, pedirei anulação das dívidas;
retratarei minhas faltas. É preciso morrer simbolicamente para nascer na
compreensão. É preciso esquecer que as coisas não estão como queríamos, para
aprender que estão como deveriam. Essa opção pelo melhor caminho não é anulação,
nem derrota; mas submissão. Submissão pode não ser algo pejorativo, mas de
esperança e fé. A submissão da vida como a vida realmente é, simplesmente.
É por isso que hoje, tão rebelde e insubordinado, quero
apenas o silêncio.
É exatamente isso o que vem da alma nesse instante. Muito bom Sergio.
ResponderExcluirBj
Fabi