Não estranhem meu relato, ele será completamente incomum.
Não que eu não seja uma pessoa comum, considero-me até normal demais. Mas
dentro dessa normalidade, às vezes, escolho caminhos desinteressantes. Vejam
vocês que acabo de me encontrar com minha esposa. Quer dizer, ela não é mais
minha esposa. Ela estava com os olhos brilhando, cabelos arrumados e com um
sorriso lindo. Talvez se soubessem a história, teriam raiva de me ver tão
passivo diante dessa imagem: eu deveria estar aborrecido ao vê-la tão grandiosa
e feliz. Mas quer a verdade? Estou feliz por ela, pelo encontro marcado; pelo
que ela fará de sua vida que nunca ousou fazer comigo.
Estávamos brigando. Ela pediu um tempo. Tempo é desculpa
para pensar nas possibilidades da separação, nunca nas alternativas da
reconciliação. O tempo só estaria ao meu favor se, de repente, ela descobrisse
mais desvantagens em me largar do que ficar comigo. Ela descobriu coisa pior:
descobriu que poderia amar. Por isso tão belo sorriso, tanta juventude; tanta
beleza. As mulheres quando amam ficam irresistíveis. Ela estava muito bem, a pele brilhando.
Cheirosa. Eu sempre gostei de mulheres cheirosas. Nem mais, nem menos. O
bastante. Ela passou por mim, fingiu não ter me visto. Ambos isentos em nossa
relação.
Eu sei que uma hora iremos conversar. Iremos discutir como
as coisas chegaram ao ponto desse desencontro. Brigamos muito, talvez. Em
vários momentos nos perguntamos: será o fim? Eu relutava, inibia; suava. Não
durava muito nossa implicância mútua, mas a volta sempre era estranha; se
perdia alguma coisa. Será o fim? Eu nunca perguntei isso diretamente, olhando
nos olhos. Nem ela nunca fez isso também. Tínhamos medo da resposta. Tínhamos
medo do que nós não sentíamos. Sabíamos que o recomeço era difícil, e passamos
a recomeçar todos os finais de semana. E suspeitávamos o final da história.
Será o fim?
Então, decidimos nos afastar. Aquela conversa sobre
continuar a amizade, continuar o carinho. Vinte anos não se joga fora, pior do
que isso. Carregamos o tempo como um peso, um anexo; um apêndice doentio. Ela e
eu, caminhando separados; mas com a
idéia um no outro. Mas era a melhor coisa: cada um para seu lado, cada lado
incompleto. Era uma noite em que estávamos entediados: cinema, restaurante e a
sala de estar; tudo vazio. Pessoas nos atropelavam; distanciavam-nos. Não
andávamos de mãos dadas. Quero comer uma pizza, mas vou sozinho. Foi nossa
última noite juntos, a chaga do arrependimento.
Ela estava bonita, iria encontrar seu novo namorado. Não
sei quem ele é, nem quero saber. É compreensível que seja melhor do que eu,
pelo menos para ela. Eu pergunto: “Eu posso falar com você?” . Ela responde:
“Eu te ligo, hoje estou ocupada”. Eu preciso pegar minhas roupas, a minha pasta
de couro. Preciso olhar para você e decidir que realmente está tudo acabado.
Sento-me na praça, você foi embora. “Ele é bonito?”. Que interessa, oras. “Eu te espero, quando você decidir que tem um
tempo para mim”. E as pessoas no mundo passando, a praça ficando vazia.
Solitário? Perdi você, mas foi por muito tempo. Não perdi
você agora que desistimos um do outro, perdi você desde nosso primeiro
encontro. Fui perdendo sem perceber. Você me afundando no cotidiano, eu te
levando junto comigo. Preciso de alguém para me desenterrar desse buraco. Será
o fim? Você passa bonita, alegre. Terá o encontro com o namorado novo? Não me
sorri, não diz absolutamente nada. No ciúme, ainda tardio, se descobre que a
paixão não era de verdade. Era uma posse qualquer, mas não era amor. Nós nos
amamos um dia, sabia?
Não, não volte. Não encontrarei em você nada de mim.
Sinta-se completamente livre. A sua liberdade também me liberta. Será o fim?
Estamos em caminhos opostos. Você está bem, não? Eu me sinto bem também. Mas o
meu bem estar é por você, desnecessariamente. Eu deveria estar brilhando, feliz
e sorrindo em meu novo encontro; mas tenho certeza que continuamos mais uma vez
incompletos.
Será o fim?
