Ontem eu fiquei olhando para você. Não era o corpo presente, o perfume e os olhos brilhando. Não era você em corpo, talvez em alma. Mas era você em lembrança. Das mais fantásticas e terríveis lembranças. A sua foto colorida. Retrato no molde infinito da história. Nele você estava sorrindo como não era difícil sempre encontra-la. Não sei o motivo da sua tanta alegria. Não seria o tempo em que estávamos começando nossa despedida? Não lembro direito e é melhor nem lembrar. Lembro o sempre o que me convêm, o que me excita e o que me alegra.
Então, você estava sorrindo. E o dia era de inverno. Você está com frio. Não há imagem que não possa ser analisada. E o delírio ganha contornos dramáticos em cada passo longo que eu dou na trajetória da foto. Saímos daquele lugar e fomos para onde? Fomos jantar comida japonesa? Não gosto de comida japonesa, mas você adorava. Fomos numa pizzaria, lembro bem. Você com frio, você sorrindo e eu não me importando com nada daquilo. Se eu te perdesse naquele dia? Estaria chorando hoje a sua ausência? Mas você não foi embora. E aquilo que achava que não era amor, era. Numa confusão tamanha na minha cabeça. Homens não amam, homens são cruéis e homens são fortes. Mentira!
Não parece fácil chorar, mas estou chorando.
Numa tentativa dramática de te recuperar, arranco o retrato da estante e abraço no peito. Quem está me vendo agora para eu sentir tanta vergonha? Não existe ninguém na sala. Nem quem compartilhe a bebida, que vá buscar gelo; que reclame de mim um pouco. Ando com saudade de sua reclamação: da minha calça desalinhada e do meu jeito esquecido. Ando mais esquecido ainda: que dia você decidiu ir embora? Não importa, nem conserta. O remédio amargo é a perda, o valor daquilo que não é mais. Você indo embora virou outra história em minha vida: virou minha derrota.
Não parece fácil, mas homem também chora.
Lembra das flores que te dei? Comprei de um sujeito chamado Asdrúbal. Lembro sempre do nome, pois é o único Asdrúbal que conheço. Sujeito sincero. Disse que era um erro comprar flores toda semana. Disse que você iria reparar em mim apenas quando me esquecesse. Pelo sim, pelo não; nunca deixei faltar flores, mas nem sempre toda semana. E quantas vezes eu fiz isso em nosso namoro? Conto nos dedos, mas não mostro a vergonha da palma. Acabou nosso namoro por causa das flores? No retrato você está sorrindo tanto, onde estivemos todos esses anos? Você recebeu minhas flores?
E você sorrindo. Acho que foi o dia do casamento. Não, engano. No dia do casamento você estava nervosa. A ansiedade nos tira as melhores passagens da vida. Se não estava sorrindo, mesmo assim não posso afirmar que estava triste. A música você quem escolheu: as flores dentro da igreja, as lembranças para os convidados. Tudo estava de acordo com o seu sonho, mas era apenas sonho, não é verdade? Nunca entramos naquela igreja e nunca mandamos os convites de casamento. Aquele dia na foto eu disse que queria casar com você. Mas tenho certeza: na foto o seu sorriso aconteceu antes de mostrar as alianças.
Homens não devem pensar em casamento, dá um azar danado.
Hoje deixaria tudo para você: a escolha, as decisões e a tentativa dramática do casamento. Hoje eu viveria como um boêmio, nas ruas trombando com as prostitutas mal vestidas e com perfume barato que elas gostam de usar. Eu usaria o botão da camisa aberto, coisa que você odeia. Só não quero cultivar o bigode, anda fora de moda. Levaria flores? Nunca. Algumas mulheres não merecem, não querem e não aproveitam. Mandaria um presente apenas no dia do aniversário, se eu conseguisse lembrar a data.
Hoje eu não pediria para você sorrir em nenhuma foto que eu tirasse: seu sorriso anda me trazendo péssimas lembranças.
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